A TV BRASILEIRA
Nas salas de visita, os enormes aparelhos ocupavam lugar de honra, ao lado da vitrola, e vizinhos e parentes menos favorecidos eram convidados a compartilhar parte da programação noturna com o vaidoso dono de uma TV. As salas de visita eram arranjadas como pequenos cinemas domésticos da classe média (algumas cidades interioranas, nos anos 60, tinham um ou até dois cinemas, que em breve iriam fechar as portas). E, nas salas provincianas, seguindo o sistema colonial, as empregadas costumavam sentar ao fundo, em cadeiras ou bancos, enquanto os patrões e seus convidados se ajeitavam para assistir aos programas em poltronas de plástico (o plástico se espalhara como moda no Brasil, e houve até casos de famílias que trocaram todo o seu mobiliário tradicional por peças plastificadas). Nesse tempo, os pobres dormiam cedo, depois de ouvirem o rádio. E nos domingos se arrumavam com esmero para o passeio na praça e a missa, para eles os principais programas de fim-de-semana no país de estrondosa maioria católica. Em 1970, quando se fez a primeira transmissão de TV em cores no Brasil (Copa do Mundo do México, com o Brasil Tricampeão), pela EMBRATEL, em caráter experimental e fechado, para um público seleto, iniciando uma nova divisão social entre os que podiam trocar seu velho aparelho pelo colorido e os que tiveram que manter a relíquia em preto-e-branco. Já ia então à larga o milagre brasileiro, e os jogos da Copa do Mundo no México, primeiro programa a ser exibido em cores no Brasil, foram também o primeiro congraçamento patriótico da raça feito pela TV. Em 19 de Fevereiro de 1972, foi realizada a primeira transmissão pública de TV em cores, com programação produzida no Brasil, a Festa da Uva, em Caxias do Sul - RS. Prefeitos demagógicos mandaram instalar televisores nas praças públicas - e alguns deles chegaram mesmo a comprar TVs coloridas, o que levou às ruas todos aqueles que não possuíam uma, curiosos com a surpreendente imagem em cores. Mesmo com o novo aparelho, de vez em quando as transmissões caíam, e os lugares passavam sem TV, ou sem alguns dos canais, por longos dias. No início
da década de 80, antenas começaram a se espalhar
no teto das favelas. Os jornais e revistas reproduziam a imagem em fotos
repetitivamente artísticas, diante das quais havia sempre alguém
que entoava, moralista: Veja só.
Eles não têm o que comer, mas têm televisão. A popularização dos programas foi inevitável, a fim de agradar a nova maioria estatística. As classes economicamente superiores, por seu lado, migraram para as TVs pagas, colocando-se num outro patamar de distinção social. E as emissoras abertas ficaram entregues ao povo. Hoje, os programas populares dão muitas vezes a medida do Ibope - e, nesses casos, saem à frente na audiência as emissoras que conseguem ter maior empatia com a emoção ordinária. A guerra de audiência entre Gugu e Faustão, por exemplo, espelha esses conflitos - não apenas diante dos espectadores, mas nos bastidores das emissoras- entre a maior e a menor empatia popular. Aqui, o vitorioso poderá ser Gugu, e a derrotada, a Globo. No período histórico descrito, a Rede Globo se fez a emissora hegemônica no Brasil. E recebeu uma função, do ponto de vista social, mais ou menos equivalente à do cinema hollywoodiano nos EUA (entre os anos 10 e 50): propagar nacionalmente representações de vida e comportamento de classe média que iriam constituir o imaginário dominante do homem comum. Diferente
do caso norte-americano, contudo, no Brasil a idealização
se fez sem a contrapartida concreta de incorporação das
classes baixas aos benefícios da democracia e da riqueza nacional.
A dificuldade da Globo, hoje, em relação aos programas
populares é a mesma que ela tem de aceitar
que o seu projeto audiovisual não adquiriu a dimensão
civilizatória pretendida: foi muito mais um
instrumento ideológico a serviço das sucessivas formas
de segregação social no país. ( Autoria Desconhecida ) |
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