Olga
de Sá A
pergunta coloca-se sobre o pano de fundo da Modernidade, focalizada
sob os ângulos de uma crença no progresso humano e na capacidade ilimitada
da razão humana de orientar esse progresso e propor um modelo para uma
vida e ação mais humana. Torna-se
uniformizadora, nega o valor das diferenças e da cultura local. Com
sua noção de progresso, a modernidade levou à desvalorização do tempo
presente, em favor da construção do futuro. Os atuais condutores do
processo econômico e cultural propõem a modernização da economia e
de toda sociedade como o único caminho.
Modernizar foi entendido no sentido de reduzir todos os debates e ações nos campos político e econômico ao campo da razão instrumental. Ignoram-se os valores humanos e sociais, os direitos e deveres das pessoas e das nações e reduz-se tudo a uma questão de eficiência na relação entre os meios escassos e o fim econômico de acumulação ilimitada de riqueza. Roberto Campos (1985) diz que a modernização, o único caminho viável para a América Latina, “pressupõe uma mística cruel do desempenho e do culto da eficiência”. A humanidade deve abandonar o desejo de construir uma sociedade melhor, pois é impossível conhecer plena e perfeitamente todos os fatores e relações, que compõem o MERCADO. Devemos ter fé em sua “mão invisível”. Os sacrifícios dos desempregados e dos excluídos são “sacrifícios necessários”, exigidos pelas leis do mercado. Esta é a “mística cruel,” motor do compromisso neoliberal. O capitalismo pós-industrial desenvolveu a crença no valor absoluto do MERCADO. A secularização do mundo moderno não significou o fim das religiões, mas o surgimento de um novo tipo de religião: a religião econômica (Sung, 1998:88). A transcendência passou de Deus para o MERCADO. Um dos segredos do dinamismo do sistema capitalista é a acumulação de riqueza, de mercadorias, como o único ou o melhor caminho para satisfazer o desejo de poder. O capitalismo é um sistema econômico centrado no desejo. Não no desejo de lucro dos empresários, mas fundamentalmente no desejo dos consumidores. O lucro é uma conseqüência da eficiência na satisfação dos desejos dos consumidores. Saber-se manipulá-los. E isto tem muito a ver com a educação. No Brasil, a teoria econômica jamais se orientou para o problema da pobreza. Esqueceu que a produção para ampliar a riqueza não é a mesma que reduz a pobreza (...). Com teorias importadas de países ricos, na ciência econômica brasileira não aparece a palavra fome, apenas salário e preços; a palavra necessidade é substituída por demanda; o objetivo do processo produtivo não é satisfazer às necessidades básicas, mas aumentar o consumo; a eficiência não está em melhorar a alimentação, mas em produzir para exportação. Diz Santos, Boaventura Souza (1995:147) que “a dificuldade em aceitar ou suportar as injustiças e as irracionalidades da sociedade capitalista dificulta, em vez de facilitar, a possibilidade de pensar uma sociedade totalmente distinta e melhor que esta”. Nos meios pastorais e até teológicos se desiste de projetos totais e alternativos e se pensa somente em ações concretas de solidariedade. “As lutas locais e as identidades contextuais tendem a privilegiar o pensamento tático em detrimento do pensamento estratégico” (Sung, 1998: 77). A proposta neo-liberal reduziu demasiadamente o papel do Estado, deixando muitos desamparados. O
neo-liberalismo nem se preocupa em prometer um mundo rico e sem desigualdades
sociais, garantido pelo mito do desenvolvimento. O neo-liberalismo não
defende a igualdade como um valor a ser realizado. Cristovam Buarque
diz que enquanto o mundo estava afastado, fisicamente, era possível
manter a idéia de igualdade sem praticá-la. Integrado, pelos meios de
comunicação e transporte, pela economia e pelas migrações que interligam
os povos, os pobres se aproximam dos ricos fisicamente e em desejos
de consumo. Afastam-se, porém, ainda mais socialmente e o discurso igualitário
torna-se contraditório.
O CONCEITO DE EXCLUSÃO E SEU CONTEXTO Passando da simbologia à história concreta, o homem consegue – por meio de diversos graus – passar da fase da exclusão como morte física do outro, sublimando-a na morte da contradição, num contínuo recurso ao estabelecimento de processos de manipulação, interiorização do domínio, exploração, como formas diversas de aniquilamento e de expropriação da personalidade do outro e por conseguinte como formas diversas de morte. A morte física continuará, ao longo dos séculos, como ainda continua, a repropor-se como elemento de sobrevivência, mas terá um caráter temporário e recorrente (a guerra, as devastações, as invasões, os genocídios, as matanças, a tortura) e uma qualidade mediada pela invenção e a fabricação do outro como inimigo, para o dominar. O processo de exclusão irá, pois, afetando cada vez menos o corpo do homem, apontando sobretudo a reduzir ou a remover a contradição por ele representada, para penetrar no indivíduo e fazê-lo interiorizar o domínio. No seu evoluir histórico, este processo pode, pois, considerar-se o fundamento do domínio do homem sobre o homem, e portanto o fundamento do poder. Se aquele que se pretende excluir já não pode ser morto, mas deve ser dominado e utilizado, a forma de exclusão mais próxima da morte consiste em reduzi-lo a corpo, coisa, animalidade, reportando à natureza a particularidade específica que pode justificar a sua exclusão da subjetividade do poder. Marlene
Ribeiro diz que, em princípio, o estado de exclusão é velho como a humanidade
e refere-se a processos de segregação justificados sob diferentes motivações.
Por questões religiosas, tem sido explicada a segregação milenar dos
párias na Índia e, mais recentes, dos católicos na Irlanda; por questões
de saúde, tem sido explicada a segregação dos leprosos na antiguidade
e dos aidéticos, na modernidade; por questões políticas, têm sido explicados
o ostracismo entre os gregos e o exílio de subversivos modernos; por
questões étnicas, a segregação dos indígenas no Amazonas, dos judeus
alemães entre os alemães pretensamente arianos e dos povos africanos
negros entre os povos descendentes de europeus brancos; por questões
econômicas, segregados os “não empregáveis”na sociedade
contemporânea globalizada. Nos Estados Unidos, os doentes (incluídos os velhos), os incapazes e os jovens formam 65% ou dois terços da população total. Essas grandes massas estão orientadas para o ócio. O centro altamente qualificado da sociedade tecnológica permanece orientado para o trabalho e o grupo intermédio constitui 25%. Para estes dois terços da população americana, a última forma de integração possível é o Estado assistencial, que integra o excluído na nova qualidade de assistido vitalício, defraudando-o de todos os direitos e de toda a dignidade. No sentido atual que a sociologia a ele confere, há indícios de que o conceito de exclusão tenha aparecido na França, ainda nas décadas de 50/60, quando cientistas sociais tiveram sua atenção despertada para as populações situadas fora do mundo do trabalho, constituindo uma pobreza, que os economistas classificavam como “residual”. Alguns pedagogos e cientistas sociais questionam o uso da categoria exclusão para a análise de algumas realidades, focalizando seus limites de uso para a compreensão de processos que se configuram como uma nova “questão social”. Há quase um consenso, nestes últimos tempos, com referência a tratar os problemas das camadas populares – desemprego, pobreza, desescolarização – como decorrentes da exclusão, seja do mundo do trabalho, seja da proteção do Estado, seja das possibilidades de acesso à escola e de permanência nela. Com referência à educação, reafirmam-se processos que excluem as camadas populares da cidadania com a justificativa de que essas camadas não estariam preparadas ou esclarecidas para exercê-la. A noção de exclusão, por um lado, está fundamentalmente ligada ao que alguns autores chamam a “nova questão social”. Nova, porque difere da pobreza dos séculos anteriores, sob certos aspectos. Ela é marcada por movimentos de contestações às instituições prisionais, pedagógicas e psiquiátricas, nos anos 60 e 70. Apareceu o Movimento de Análise Institucional, produzindo estudos que contribuíram para um processo de reformulação do tratamento psiquiátrico, da formação escolar e da reeducação dos presos. Sob esse aspecto, são importantes as pesquisas de Michel Foucault. Além das três formas de exclusão do discurso (a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de verdade), a obra de Foucault revela o processo de constituição das chamadas ciências humanas e ciências sociais, desmascarando a relação entre o controle das populações e a produção de saberes que fazem do homem, a partir do séc. XVIII, sujeito e objeto de conhecimento (cf.Arqueologia do saber e As Palavras e as coisas). Foucault coloca as questões acerca da relação entre poder e verdade no discurso das ciências e nas práticas institucionais. Constrói-se assim o conceito de exclusão que retrata uma realidade de aparecimento de “novos pobres”, de lutas libertárias, de desencanto com o esvaziamento da utopia comunista que alimentou a Revolução Russa, de insuficiência tanto das categorias funcionalistas quanto marxistas para a compreensão dessa realidade complexa. Questões que, anteriormente, eram dirigidas ao econômico (exploração) deslocaram-se para o político (dominação e opressão). A realidade que faz o termo “exclusão” afirmar seu estatuto sociológico é o desemprego em massa, associado à reestruturação produtiva, à globalização econômica e à destruição do Estado Social. O retorno de uma pobreza expropriada de meios e instrumentos de produção, vivendo em condições de miséria absoluta, como no século XVIII, porém sem perspectivas de proletarização que se afirmaram no século XIX, nem de seguridade social conquistada no séc. XX, assume contornos tão visíveis a ponto de configurar uma “nova questão social”, que desafia os cientistas sociais e os educadores. Lamentando-se que as lutas pela inclusão mantêm o modelo social produtor da exclusão. O desemprego estrutural é expressão concreta do que tem sido caracterizado como exclusão. É a expulsão cada vez mais intensa do trabalho vivo de homens e mulheres, substituídos pela máquina, como previra Hegel, que, em 1820, já usara o termo “excluído”. Os trabalhadores desempregados atuais, aos quais nos estamos referindo, sobrevivem numa sociedade capitalista. Nesta, os seres, inclusive os humanos, encontram-se universalizados sob a forma de mercadoria. A relação entre as mercadorias é mediada pela “mercadoria dinheiro”, que o capital convenciona como moeda universal para a troca. O trabalhador encontra-se no limite do seu despojamento, aquele em que parece não haver outra alternativa senão a morte, à concordância com a necessidade da queima do estoque excessivo da mercadorias “mão-de-obra”, para garantir os índices de produtividade e competitividade exigidos pelo processo de acumulação de capital. A realidade da exclusão ou a dimensão da pobreza que a torna visível não pode ser dissociada dos processos de destruição de uma política de direitos de cidadania – saúde, educação, segurança, habitação, regulamentação do trabalho – instituídos com o Estado Social. O capital marginaliza e expulsa os trabalhadores dos processos de trabalho e de participação política. A exclusão, como um foco de luz lançado em direção à pobreza, presta-se à compaixão, evidenciando uma “ideologia perversa”que tanto oculta uma política deliberada de produção da exclusão, como divide o sujeito ético em dois, colocando, de um lado, a vítima sujeita à exclusão; de outro, o sujeito da compaixão. Chauí (1999) mostra que a vitimização da maioria das pessoas, tornadas “desnecessárias e descartáveis”, pela organização dos processos contemporâneos de trabalho, faz com que o agir ou a ação fiquem concentrados nas mãos dos não-sofredores, das não-vítimas que devem trazer, de fora, justiça para os injustiçados. Estes, portanto, perderam a condição de sujeitos éticos para se tornarem objetos de nossa compaixão... Mudar de paradigma seria torná-los sujeitos de sua própria inclusão. A nova realidade da exclusão social, ou “apartheid social”, introduz uma nova dialética na sociedade. Ao lado da “velha” dialética capital x trabalho, é preciso pensar, ao mesmo tempo, a dicotomia entre os integrados no mercado e os que estão excluídos e os insatisfeitos com a atual lógica excludente. Constata-se ainda que, mesmo no meio de grupos cristãos engajados em ações de solidariedade para com os excluídos ou com a luta das mulheres, dos indígenas e negros, predomina a influência pós-moderna com a valorização do fragmento, do particular e do cotidiano, em detrimento de um pensamento capaz de trabalhar com o conceito de totalidade social e ações estratégicas. Na prática, isso significa a valorização quase que exclusiva de trabalhos locais e específicos, desvinculados de projetos políticos e sociais mais amplos. A “opção pelos pobres”, embora importante, não implica necessariamente na articulação da fé com as grandes questões e projetos sociais. (cf. Sung, 1998:76) Segundo Comblin (1996:98) não se superou ainda o dualismo entre religião e política. “Não há tarefa mais urgente do que unir de novo o que esteve separado durante tanto tempo, o ‘político’ e o ‘religioso’, o ‘social’ e o ‘místico’. A teoria tem que fundamentar uma prática eficaz”. Como já acenamos, a exclusão social não é uma exclusividade dos países do Terceiro Mundo. Tanto na América do Norte (EUA e Canadá) como na América Latina existe o fenômeno da concentração de riqueza e o contraste que está se dando entre os bolsões de riqueza no meio de um mar de pobreza (nos países da América Latina) e entre bolsões de pobreza no meio da riqueza (na América do Norte) (cf. Sung, 1998: 91). Um número cada vez maior de pessoas nos Estados Unidos e a maioria da população na América Latina está sendo excluída do MERCADO. São assim excluídos dos fundos do desenvolvimento, das condições de uma vida digna e, o pior, até da própria possibilidade de sobrevivência. Ainda, segundo Sung, estar excluído do MERCADO não significa, entretanto, estar excluído da sociedade e do alcance dos meios de comunicação social que socializa os mesmos desejos de consumo. Temos assim a trágica situação, em que os pobres, jovens adultos, são estimulados a desejarem o consumo de bens sofisticados e supérfluos, ao mesmo tempo em que lhes é negada a possibilidade de acesso à satisfação das necessidades básicas para a sua sobrevivência digna. Uma das causas fundamentais do processo de exclusão é o desemprego estrutural que atinge a América Latina e quase todo mundo. É estrutural porque não é fruto de uma conjuntura econômica, que passaria. As empresas se defendem da crise econômica, na medida em que demitem seus funcionários. O desemprego estrutural é fruto do atual modelo de globalização econômica, da revolução tecnológica e da financeirização da riqueza. Nas sociedades pré-modernas, o homem trabalhava para viver. Nas sociedades capitalistas as pessoas vivem para acumular riquezas. A riqueza está “financeirizada” e em grande parte é ‘fictícia’. Não é composta de bens tangíveis, mas de números piscando nas letras dos luminosos (outdoor). A finalidade do lucro é o lucro. A busca ilimitada de riqueza pela riqueza acaba destruindo o sistema ecológico, que possibilita a vida humana. Produz também a pobreza, a exclusão, os contrastes sociais, a violência desenfreada e o crescente consumo e tráfico de drogas. Na realidade latino-americana, o pobre ou o desempregado, cada vez mais, se encontra em situação difícil, pois os programas de ajuste econômico de inspiração neo-liberal tendem a cortar drasticamente os poucos programas sociais existentes. As empresas procuram se modernizar sob a pressão do mercado. Ora, em quase todos os países latino-americanos existem, justapostos, grupos sociais que vivem em tempos históricos diferentes. Alguns vivem numa cultura pré-moderna, usando técnicas de produção da época da revolução agrícola, sem acesso à educação formal das sociedades urbanas industrializadas. Outros pertencem à segunda revolução tecnológica, à era industrial fordista. Um terceiro grupo vive numa cultura pós-moderna, com acesso às tecnologias de última geração. Muitos não estão aptos para as empresas modernas. Isto também gera desemprego. Além disso, a elite de nossos países se sente mais próxima e identificada com a elite dos países desenvolvidos, do que com a nossa população pobre. É difícil conseguir sua adesão para programas sociais, se não compreenderem a fundo as ideologias que sustentam essa situação e as que podem combatê-la e superá-la. Uma sociedade baseada numa lógica de exclusão gera e é alimentada por uma “cultura da insensibilidade”. Essa cultura da insensibilidade, frente aos sofrimentos dos outros, especialmente dos pobres, beira o cinismo e não cresceu por acaso. É fruto de diversos fatores históricos e outros de ordem antropológica. A ÓTICA CRISTÃ A ótica cristã não é somente fruto da razão. Fundamenta-se na prática de Jesus que tem seu eixo no anúncio do Reino de Deus. Jesus Cristo inclui o Reino, na Oração do Pai Nosso: “venha a nós o Vosso Reino”. Significa que o Reino de Deus se realiza na construção de uma Sociedade Nova, mediante a conversão das pessoas para a justiça e a solidariedade. Cada pessoa deverá ser sal da terra e luz do mundo, no espaço das relações humanas e da pólis, fermento do novo céu e da nova terra. A solidariedade cristã fundamenta-se na fé, enquanto a solidariedade cívica funda-se na razão. A solidariedade cristã é fraternidade, que repousa na consciência da filiação divina. Para a fraternidade cristã, a humanidade constitui uma grande família, formada por uma multidão de famílias menores, nações, confissões religiosas, comunidades regionais, corporações profissionais etc.. As formas de convivência entre pessoas e entre nações devem estar impregnadas de valores cristãos. Isto não se constrói da noite para o dia. Estamos no III Milênio do Cristianismo. Tantos séculos atravessados também pela irracionalidade da História e a lógica da maldade, que se expressa geralmente, pelo poder. A educação é a grande construtora dos ideais humanos. Temos esperança de que a justiça seja, finalmente, patrimônio da humanidade e o Amor, sua plenitude. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ASSMAN,H. Idolatria do mercado. Petrópoles, Vozes, 1995. _________. Metáforas novas para reencantar a educação. Piracicaba: UNIMEP, 1996. BOFF, L. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo, Ática, 1998. BUARQUE, Cristovam. A desordem do progresso: o fim da era dos economistas e a construção do futuro. 2 ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990. Chauí, Marilena. Um ideologia perversa. Folha de São Paulo. Mais. São Paulo. , 14 mar. 1999. COMBLIN, O provisório e o definitivo. 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