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(Fonte: Museu do Índio - FUNAI)

A Diversidade Cultural dos Povos Indígenas

Estima-se a existência de cerca de 200 sociedades indígenas no Brasil. O número exato não pode ser estabelecido, na medida em que existem grupos indígenas que vivem de forma autônoma, não mantendo contato regular com a sociedade nacional.

Os dados demográficos das sociedades indígenas de hoje devem ser interpretados à luz do processo histórico, considerando as formas de contato que cada grupo tem mantido com a sociedade nacional, os efeitos das epidemias e os confrontos que tiveram com as frentes de expansão.


Rapaz Nhambiquara do rio Juína - 1907
Foto: José Louro

A população dessas sociedades é muito variável, havendo grupos relativamente numerosos como os Tikuna (20 mil), Guarani (30 mil ), Kaingaing (20 mil ), Yanomami (10 mil ) e outros como os Ava-Canoeiros, cuja população atual é de apenas 14 pessoas, o que implica que essa sociedade se encontra seriamente ameaçada de desaparecer.

As sociedades indígenas são muito diferenciadas entre si e, normalmente, essas diferenças não podem ser explicadas apenas em decorrência de fatores ecológicos ou razões econômicas.

Na década de 50, numa tentativa pioneira de caracterizar as semelhanças e diferenças existentes entre os diversos grupos indígenas brasileiros, o antropôlogo Eduardo Galvão desenvolveu o conceito de áreas culturais. Esse conceito procurou agrupar todas as culturas de uma mesma região geográfica que partilhavam um certo número de elementos em comum.

Assim, os grupos indígenas do Brasil foram classificados em 11 áreas culturais: Norte-Amazônica; Juruá-Purus; Guaporé; Tapajós-Madeira; Alto-Xingu; Tocantins-Xingu; Pindaré-Gurupi; Paraná; Paraguai; Nordeste e Tietê-Uruguai.

A área cultural do Alto-Xingu, por exemplo, adquiriu sua conformação geográfica a partir da observação de certos costumes comuns e específicos à maioria dos grupos indígenas da região. Entre esses costumes, destacam-se: a festa dos mortos, também conhecida como Kuarup; o uso cerimonial do propulsor de dardos; o uluri, acessório da indumentária feminina; as casas de projeção ovalada e tetos-parede em ogiva e o consumo da mandioca como base da alimentação desses grupos.

Decorridos quase 50 anos do estudo de Galvão, permanece a idéia, como recurso didático, de distribuir as sociedades indígenas em áreas, chamando atenção para suas características específicas e, ao mesmo tempo, assinalando sua diversidade cultural.

Considerando o fato de que várias sociedades indígenas se situam em região de fronteira e que circulam pelos países limítrofes ao Brasil onde vivem parentes e outros grupos com os quais se relacionam, uma nova configuração classificatória para as sociedades indígenas vem sendo proposta pelo antropólogo Julio Cesar Melatti - áreas etnográficas - que se estende para toda a América do Sul.

Para a definição das áreas etnográficas foram consideradas, sobretudo, as seguintes questões: a classificação lingüística, o meio ambiente e o contato das sociedades indígenas entre si e com as sociedades nacionais. A classificação lingüística é importante na medida em que existe um fundo cultural comum às sociedades que falam línguas relacionadas, fazendo supor que sejam oriundas de uma única sociedade anterior, mais remota no tempo.

Por essa concepção foram estabelecidas 33 áreas etnográficas para toda a América do Sul.

Bibliografia
Galvão, Eduardo. Áreas culturais indígenas do Brasil 1900 - 1959. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi, n.s., Antropologia, nº 8, Belém, 1960.
Melatti, Julio C. Índios do Brasil. Hucitec, 1980.
Melatti, Julio C. Índios da América do Sul - Áreas Etnográficas. Brasília, UNB, 1997. 2 vol. (mimeo).
Ricardo, Carlos Alberto. Os Índios e a sociodiversidade nativa contemporânea no Brasil. In "A temááica indígena na escola". Mec/Mari/Unesco, 1995.


As Terras Indígenas


A Constituição da República, de 05 de outubro de 1988, define o entendimento do Estado brasileiro a respeito das terras indígenas. No artigo 231, diz a Constituição que:

São reconhecidos aos Índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos Índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seu usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos Índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do país, apôs deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser a lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

Para os índios, a terra de seu povo não é apenas suporte para a vida material, meio de subsistência ou fator de produção, mas é também referencial a seu mundo simbólico. Todas as dimensões da vida de um povo indígena têm por base seu território físico. Graças ao conhecimento e domínio de uma área, os índios elaboram e reproduzem as relações, idéias, crenças e produtos de sua vida sócio-cultural.

A Constituição brasileira estabelece como um dever a demarcação das terras indígenas. Esta demarcação é o estabelecimento, pela via administrativa, dos limites do território que tradicionalmente ocupam. Atualmente, o trabalho de definição de uma terra indígena está regulamentado pelo Estatuto do Índio (lei 6001, de 19/12/73), pelo Decreto nº 1775, de 09/01/96, e pela Portaria nº 14, de 10/01/96, estabelecida pelo então Ministro da Justiça, Nelson Jobim.

O processo de identificação das terras indígenas, coordenado por antropólogos, envolve conhecimentos técnicos de natureza etno-histórica, sociológica, juródica, cartográfica, ambiental e fundiária, conforme estabelece o Dec. 1775, art 2º § 1º. É garantido o direito dos índios participarem de todas as fases do processo administrativo.

Hoje, alguns povos indígenas controlam extensos territórios. A configuração de como cada povo se organiza, com suas atividades de subsistência, permite aos especialistas iniciar a definição da dimensão territorial necessária a sua sobrevivência. O número e a área total das terras indígenas identificadas no Brasil aumentou substancialmente entre 1981 e 1994. Em 1981, havia 308 terras e 400 milhões de hectares reconhecidos, enquanto, em 1994, esse número passou para 517 terras e 90 milhões de hectares.

Diante desse quadro, os inimigos dos índios - latifundiários, elites regionais, grileiros, etc. - que antes exploravam uma postura racista, cheia de estereótipos de índios preguiçosos, incapazes, justificam agora a invasão das terras indígenas, voltando-se para a mídia em campanha difamatória, sintetizada na frase há nmuita terra para pouco índio.

Esta postura preconceituosa é totalmente equivocada nos seus fundamentos, pois é enorme a concentração da propriedade fundiária no País, assim como é alto o índice das áreas rurais aproveiáveis e não exploradas. É injusto concentrar as críticas da situação agrária na realidade fundiária indígena. Além disso, a situação dos índios é grave em várias regiões, onde os povos indígenas perderam grande parte de seus territórios tradicionais. A maioria das áreas indígenas está invadida e existem aquelas onde não há ainda qualquer proposta de definição territorial pela FUNAI. Essa é a realidade das terras indígenas no Brasil, que estão concentradas, quase que totalmente (98%), na Amazônia Legal.


Cestaria

Segundo o Dicionário do Artesanato Indígena de Berta G. Ribeiro, cestaria é o conjunto de objetos - cestos-recipientes, cestos-coadores, cestos-cargueiros, armadilhas de pesca e outros - obtidos pelo trançado de elementos vegetais flexíveis ou semi-rígidos usados para transporte de carga, armazenagem, receptáculo, tamis ou coador. Variam em tamanho, forma, decoração, técnica de manufatura, mas obedecem basicamente às exigências ditadas por sua funcionalidade.

As sociedades indígenas no Brasil são detentoras das mais variadas técnicas de confecção de trançados, utilizando-se delas para a confecção de cestos, que estão entre os objetos mais usados, pois estão associados a vários fins.

A cestaria produzida e utilizada por uma determinada sociedade indígena está associada à sua cultura, principal característica humana.

A cultura de um povo é como um código simbólico compartilhado por todos os homens, mulheres e crianças do mesmo grupo social. É através da cultura que todas as pessoas atribuem significado ao mundo e às suas vidas, pensam suas experiências diárias e projetam seu futuro. É, portanto, um código dinâmico que se transforma ao longo do tempo e através do espaço, dando sentido à própria vida, do nascimento até a morte, de todos os membros de uma mesma sociedade.

A cestaria diz respeito ao conhecimento tecnológico, à adaptação ecológica e à cosmologia, forma de concepção do mundo daquelas sociedades. O conjunto de objetos incorporados à vivência de uma determinada sociedade indígena expressa concretamente significados e concepções daquela sociedade, bem como a representa e a identifica. Enquanto arte, em cada peça produzida existe também uma preocupação estética, identificando o artesão que a produziu e aquela sociedade da qual ela é cultura material.

Para uso e conforto doméstico, podem-se citar os cestos-coadores, que se destinam a filtrar líquidos; os cestos-tamises, que se destinam a peneirar a farinha e os cestos-recipientes, que se destinam a receber um conteúdo sólido ou armazená-lo, sendo também utilizados para a caça e a pesca, para o processamento da mandioca, para o transporte e para a guarda de objetos rituais, mágicos e lúdicos.

Os cestos cargueiros, como diz o nome, destinados ao transporte de cargas, apresentam uma alça para pendurar na testa e têm o formato paneiriforme, com base retangular e borda redonda, sendo conhecido pelo nome de aturá. Também são muito utilizados os cestos- cargueiros de três lados, jamaxim, que dispõem de duas alças para carregar às costas, tipo mochila. Em geral, esse cesto suporta até dez quilos de mandioca.

Em algumas sociedades indígenas, a confecção dos cestos é tarefa, exclusivamente, masculina e sua utilização, essencialmente, feminina. Em outras, sua execução e utilização são tarefa de ambos os sexos, como entre os Guarani que vivem em Bracuí, município de Angra dos Reis no Rio de Janeiro. Os cestos-recipientes Guarani são confeccionados de lasca de taquara previamente pintada, em trama cerrada, apresentando desenhos geométricos representativos de losangos. Em geral, apresentam as cores verde, rosa, roxo, vermelho, amarelo e azul e possuem tampa. A venda desse tipo de artesanato, no acostamento da Estrada Rio-Santos, é uma importante fonte de renda para a sobrevivência das famílias Guarani.

Para os Wayana e Apalaí, que vivem no norte do Pará, na região do Tumucumaque, são somente os homens que, na divisão social e sexual do trabalho, devem confeccionar os cestos feitos de fasquias do arbusto arumã. Cabendo às mulheres sua utilização nas tarefas domésticas, na colheita e transporte de alimentos da roça para a aldeia e na pesca.

O cesto- recipiente de uso mais comum entre as mulheres wayana é denominado poraxi e serve para guardar algodão, miçangas, novelos, agulhas, tesouras e objetos diversos. Somente os homens, e de forma estritamente individual, utilizam um cesto comprido com alça de algodão e tampa encaixante denominado pakará. É feito de folha de palmeira e se destina a armazenar pequenas facas, algodão, remédios, miçangas, agulhas , penas de mutum para flechas e diversos objetos do universo masculino. Segundo a tradição Wayana, quando um artesão morre, todos os seus pertences devem ser jogados fora, queimados ou enterrados com ele. O pakará é o único bem que um filho pode herdar de seu pai morto.

Bibliografia
LARAIA, Roque de Barros
1986 Cultura - Um Conceito Antropológico
Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 116p.

RIBEIRO, Berta G.
1994 As artes da vida do indígena brasileiro.
Índios no Brasil - organizado por Luís Donisete Benzi Grupioni. Ministério da Educação e do Desporto,
Brasília. 135 - 144p.
1988 Dicionário do artesanato indígena
Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 343p, il.

VELTHEM, Lucia Hussak van.
1998 A Pele de Tuluperí: Uma etnografia dos trançados Wayana
Belém: Museu Parense Emílio Goeldi. 251 p. il.

VIDAL, Lux e SILVA, Aracy Lopes da
1995 O sistema de objetos nas sociedades indígenas: Arte e Cultura Material A Temática Indígena na Escola: Novos subsídios para professores de 1º e 2º graus - organizado por Aracy Lopes da Silva e Luís Donisete Benzi Grupioni, MEC/MARI/UNESCO, Brasília. 369 - 402p.


Como proceder para conhecer uma área indígena

A Fundação Nacional do Índio-FUNAI é o órgão do governo federal que tem a atribuição legal da proteção e assistência às sociedades indígenas no Brasil e para tal se baseia na Constituição brasileira, no Estatuto do Índio, na Lei 6.001 e nos atos e normas do presidente da FUNAI.

No exercício de suas atribuições, a FUNAI não permite a entrada, em terras indígenas de pessoas estranhas às comunidades para qualquer fim sem sua prévia autorização ou das lideranças indígenas das referidas áreas.

A Instrução Normativa nº 01 do presidente da FUNAI, datada de 29.11.95 e publicada no Diário Oficial da União em 13,12,95, disciplina o ingresso em terras indígenas com a finalidade de desenvolver pesquisa científica.

Diz a Instrução que todo e qualquer pesquisador nacional ou estrangeiro deverá encaminhar sua solicitação à Presidência da FUNAI. No caso de requerimento coletivo, deverá ser subscrito por um dos membros do grupo, como seu responsável. A essa solicitação deverá ser anexada os seguintes documentos: 1. carta de apresentação da Instituição a que o pesquisador está vinculado; 2. projeto de pesquisa, em português, detalhando a(s) terra(s) indígenas(s) na(s) qual(is) pretende ingressar e cronograma; 3. curriculum vitae do(s) pesquisador(es) redigido em português; 4. cópia autenticada da carteira de identidade ou passaporte; 5. atestado individual de vacina contra moléstia endêmica na área; 6. visto temporário, quando se tratar de pesquisador(es) estrangeiro(s).

O pesquisador interessado deverá, ainda, encaminhar diretamente ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq o Projeto de Pesquisa e seu curriculum vitae.

A solicitação de ingresso será objeto de análise pela Coordenadoria Geral de Estudos e Pesquisas-CGEP, após parecer favorável do CNPq, quanto ao mérito da pesquisa proposta e após ouvidas as lideranças do grupo a ser estudado. A consulta às lideranças será realizada pela FUNAI com a presença do pesquisador. No caso de negativa quanto ao pleito de ingresso ou quaisquer outros entraves, a CGEP encaminhará a questão ao Conselho Indigenista através da presidência do órgão.

Quando se tratar de pesquisa em espaço territorial de ocupação tradicional de índios isolados, o pedido será também, previamente, analisado pelo Departamento de Índios Isolados-DII/FUNAI.

A Presidência da FUNAI poderá suspender a qualquer momento a autorização concedida, caso seja solicitada a sua interrupção por parte da comunidade indígena em questão. Ou, ainda, nos seguintes casos: conflitos, gerados pela pesquisa, dentro da terra indígena, ou ocorrência de situações epidêmicas agudas ou conflitos graves envolvendo índios e não-índios.

Todos os pesquisadores deverão remeter à FUNAI, relatório dos trabalhos de campo, em português, e dois exemplares de publicações, artigos, teses ou outras produções intelectuais oriundas das referidas pesquisas.

Atualmente, algumas lideranças indígenas discutem a realização de um Programa Piloto de Ecoturismo em suas terras. Trata-se, ainda, de uma proposta não havendo, portanto, nenhuma regulamentação em vigor, embora já existam algumas experiências em curso.


Mito e Cosmologia

As cosmologias indígenas representam modelos complexos que expressam suas concepções a respeito da origem do Universo e de todas as coisas que existem no mundo. Os mitos, considerados individualmente, descrevem a origem do homem, das relações ecológicas entre animais, plantas e outros elementos da natureza, da origem da agricultura, da metamorfose de seres humanos em animais, da razão de ser de certas relações sociais culturalmente importantes, etc.

Para muitas sociedades indígenas, o cosmos está ordenado em diversas camadas, onde se encontram divindades, fenômenos atmosféricos e geográficos, animais e plantas, montanhas, rios, espíritos de pessoas e animais, ancestrais humanos, entes sobrenaturais benévolos e malévolos.

Cada uma das diversas sociedades indígenas elabora suas próprias explicações a respeito do mundo, dos fenômenos da natureza, dos espíritos, dos seres sobrenaturais e, também, do momento em que surgiram os seus ancestrais. Para exemplificar, apresentamos, resumidamente, o mito de origem dos índios Arara, grupo de língua Karib.

Para eles, quando essa vida ainda não havia começado, existiam somente o céu e a água. Separando-os, uma pequena casca que recobria o céu e servia de assoalho a seus habitantes. Na casca do céu a vida era plena, pois havia de tudo para todos.

A boa humanidade, protegida pela divindade Akuanduba, vivia conforme as coisas básicas da vida: acordar, comer, beber, namorar, dormir. Se alguém cometesse algum excesso, contrariando as normas, a divindade fazia soar uma pequena flauta, chamando a atenção de todos para que se comportassem de acordo com a boa ordem. Fora da casca do céu, existiam coisas ruins, seres atrozes e espíritos maléficos, contra os quais a boa humanidade estava protegida por Akuanduba.

Houve um dia, no entanto, que ocorreu uma grande briga da qual participou muita gente. A divindade fez soar a flauta, mas a multidão teimosa não quis parar de brigar. Nessa confusão, a casca do céu se rompeu, lançando tudo e todos para longe, para dentro da água que envolvia a casca.

Com a queda, todos perderam e todos os velhos e crianças morreram, restando apenas uns poucos homens e mulheres. Dos sobreviventes, alguns foram levados de volta ao céu por pássaros amazônicos, onde se transformaram em estrelas. Os que ficaram, foram abandonados pelos pássaros nos pedaços da casca do céu que caíram sobre as águas. Assim, surgiram os Araras que, para se manter afastados das águas, escolheram ocupar o interior da floresta.

Até hoje, os Arara, habitantes do vale dos rios Iriri-Xingu, no Estado do Pará, assobiam chamando as araras quando as vêem voando em bandos por sobre a floresta. Quando pousam no alto das árvores, as araras, por sua vez, observam os índios e, ao notarem o quanto eles cresceram, desistem de levá-los de volta ao céu. Aqui já foram deixados outras vezes e aqui deverão permanecer.

Os Arara, que antes viviam como estrelas, estão agora condenados a viver como gente, tendo que perseguir o alimento de cada dia em meio aos perigos que existem sobre o chão.

Bibliografia

Ramos, Alcida Rita. Sociedades Indígenas. Ática, 1986

Teixeira-Pinto, Márnio. Ieipari - Sacrifício e Vida Social Entre Os Índios Arara. Editora UFPR, 1997.


Organizações Indígenas

Nos anos 70, lideranças indígenas de várias regiões do País, com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), começaram a promover a realização de Assembléias Indígenas Intertribais para a discussão de seus problemas. Enquanto ano a ano aumentava o número de assembéias realizadas, crescia , no cenário nacional, a presença de alguns líderes como Mário Juruna (Xavante), Kretan e Xangrí (Kaingang) e Raoni (Txukarramãe).

As assembléias procuravam levantar os problemas específicos de cada grupo e aldeia indígena. A partir deste quadro, os índios identificavam as questões urgentes, voltadas para a garantia da terra, assistência sanitária e educacional.

Entretanto, uma proposta governamental de emancipação dos índios, divulgada em 1978 e rejeitada por Universidades, Igrejas, Ordem dos Advogados, ONGs, etc., motivou os índios a superarem a esfera local, para debater e agir sobre seus problemas em âmbito nacional.

Os fatos de 1978 contribuíram para que os índios criassem em 1979 uma organização nacional, a UNI - União das Nações Indígenas. Esta procurou representar um papel simbólico de unificar as reivindicações indígenas, adotando nas suas atividades uma política de alianças com os movimentos de apoio aos índios espalhados pelo Brasil.

A UNI enfrentou problemas de institucionalização, pois era difícil representar, regularmente, interesses e povos dispersos pelo território brasileiro. Atuando na Constituinte, influenciou a elaboração do capítulo sobre os direitos indígenas da Constituição de 1988.

Essa representação nacional, diante de eventos de caráter continental ou mundial, levou a uma indianidade genérica, uma ação política e ideológica voltada para os problemas gerais dos índios e distante do dia-a-dia das aldeias. Nos anos 90, a UNI se enfraqueceu e deixou de operar enquanto havia um fortalecimento das organizações de âmbito local e regional. A própria Constituição de 1988 valorizou o poder político das aldeias, pois há necessidade de consulta às comunidades para o desenvolvimento de projetos de exploração mineral.

Assim, nos anos 90, surgiram organizações regionais como a FOIRN - Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, e a COIAB -Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. Novamente com o apoio do CIMI, algumas lideranças começaram a construir uma nova organização nacional, o CAPOIB - Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil.

Por todo o território nacional, as diversas organizações indígenas contam com a intermediação de ONGs no apoio as suas atividades. Entre as organizações as diferenças são grandes, envolvendo formas de representação, duração do mandato, tipos de alianças, etc. Em sua maior parte já estão registradas em cartório, pois procuram captar recursos externos à comunidade. Um levantamento realizado em 1995 pelo Instituto Socioambiental revelou a existência de 109 organizações indígenas no Brasil.


Os Guarani no Rio de Janeiro

Existem índios no Rio de Janeiro. São os Guarani do subgrupo Mbya, falantes da língua Tupi.

Nos Estados Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul vivem, além dos Mbya, os Guarani dos subgrupos Nhandeva e Kaiowá.

Em 1996, as três terras indígenas existentes no Rio de Janeiro - a Terra Indígena Guarani de Bracuí, localizada no município de Angra dos Reis, a Terra Indígena Araponga e a Terra Indígena Parati-Mirim localizadas no município de Paraty - tiveram o processo de demarcação concluído e foram homologadas pelo governo federal. O Presidente da República, seguindo a Constituição brasileira, reconheceu-as oficialmente como terras tradicionais do povo Guarani e fez publicar no Diário Oficial da União os decretos que dão direito aos Guarani a posse permanente dessas terras.

Vivem nas três aldeias aproximadamente, 450 pessoas. A Terra Indígena Guarani de Bracuí é a que tem a maior população, cerca de 320 indivíduos. Mais da metade é constituída por crianças menores de 14 anos.

Os Guarani que vivem hoje , em território brasileiro, somam, aproximadamente, cinco mil pessoas. Há também Guarani vivendo em áreas na Argentina, Paraguai e Bolívia,.

O subgrupo Mbya , em Angra dos Reis, vive no alto da serra em meio à Mata Atlântica, de onde podem avistar o mar. Atravessar o mar e encontrar a Terra Sem Mal, o paraíso mítico, é o sonho dos Guarani. Na busca incessante desse paraíso, que segundo a tradição pode ser alcançado em vida, eles precisam cumprir e respeitar um conjunto de regras e conduta divina que lhes são transmitidas pelos xamãs. São elas que norteiam as relações que mantém com a natureza, com todos os seres humanos e com os espíritos. É o modo de ser e viver guarani, o nandereko.

Um bom lugar para viver, de acordo com o seu nandereko, é próximo ao mar, mas distante dele. Tem que ter terra boa para plantar, pois são tradicionalmente , agricultores, mantendo roças familiares e plantando, em sistema de rodízio, os principais alimentos de sua dieta como o milho(awati), mandioca(mandio), batata-doce(djety’i), amendoim (manduvi) e feijão(kumandá), uma média de três hectares ao ano.

Tem que ter um lugar para pescar, caçar e colher as frutinhas do mato. Costumam ter sempre próximo às casas de moradia(o’y) árvores frutíferas como complemento alimentar, tais como o abacateiro e a bananeira. A mata é necessária para os índios para colherem o material necessário para a construção de casas, cestos, arcos, ornamentos e objetos rituais, mágicos e religiosos.

A Casa de Reza(opy) ocupa lugar de destaque, convergindo para ela todas as atividades significativas da aldeia. No seu interior, cuja vedação é completa para impedir a entrada de espíritos indesejáveis, os Guarani ouvem as belas palavras(porahei) proferidas pelos xamãs, e realizam os rituais funerários, de cura, e do batismo do milho. É no pátio ,em frente a opy, que se realizam as reuniões de deliberação da comunidade e o xondarê, dança lúdica guarani, quando todos brincam ao som do violão e da rebeca.

São os xamãs, conhecidos também por rezadores, que, ouvindo as vozes e orientações dos deuses, os conduziram a esses espaços para que pudessem neles construir suas aldeias, o tekoa.

O tekoa é formado por um complexo de pequenos núcleos, de duas ou mais casas, dispersos pela área escolhida. Nele, as relações sociais e de parentesco, a divisão sexual do trabalho e as relações cosmológicas com os espíritos e o sobrenatural se reproduzem e se atualizam, dando sentido ao modo de ser e viver Guarani.

Há quinhentos anos os Guarani têm enfrentado o desafio de sobreviver de acordo com suas tradições, interagindo com a sociedade brasileira. Vêm selecionando e incorporando as suas tradições e valores as novas necessidades e conhecimentos advindos dessa relação.

Hoje, administram, em parceria com várias instituições, os projetos que escolheram para desenvolver em sua comunidade: o escola bilíngüe, que já produziu uma cartilha Guarani para alfabetização e um livro contando a história do contato com os não-índios do ponto de vista Guarani; a instalação de um posto de saúde na aldeia e a formação de agentes de saúde guarani; a construção de açudes para piscicultura; a criação de animais ; o ponto de venda de artesanato em Angra dos Reis e o projeto de oficinas fotográficas; entre outros. Na aldeia Sapukai, do tekoa de Bracuí , os Guarani vivem o tempo presente e constroem o futuro de seus filhos.


Veja imagens raras do arquivo histórico do Museu do Índio, do século XIX e início do século XX. As fotos apresentadas constituem registros dos trabalhos realizados pela Comissão Construtora de Linhas Telegráficas de Cuiabá ao Araguaia (1890-1898), Comissão Construtora de Linhas Telegráficas de Mato Grosso (1900-1906) e Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas - Comissão Rondon (1907-1915).


Marechal Rondon - 1890
Autor desconhecido

Índios Bororo de São Lourenço - 1914
Foto: Major Luiz Thomaz Reis

Índia Arití-Uaimaré: "Camulu". Núcleo Indígena Utiarití - 1907
Foto: Major Luiz Thomaz Reis


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