" MENSAGEM DO DIA "
MENSAGENS e POESIAS

SETEMBRO de 2006


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01/Setembro/2006:

“ CIDADEZINHA QUALQUER ”
- Antologia Poética - 1982 -

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus. ”

( Carlos Drummond de Andrade - 'Biografia' - 1902/1987 )

04/Setembro/2006:

“ A RUA DOS CATAVENTOS ”
- Soneto V - X -

“ Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!

Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!

"Meu Deus! Mas tu não tu não mudas o programa!"
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
"Que tédio!" o coro dos Amigos clama.

"Mas que vos dar de novo e de imprevisto?"
Digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
"Eu sei chorar... eu sei sofrer... Só isto!" ”

( Mario Quintana - 'Biografia' - 1906/1994 )

05/Setembro/2006:

“ NOS CAMPOS ”
- Cachoeira de Paulo Afonso - 1870 -

“ Fugi desvairada!
Na moita intrincada,
Rasgando uma estrada,
Fugaz me embrenhei.
Apenas vestindo
Meus negros cabelos,
E os seios cobrindo
Com os trêmulos dedos,
Ligeira voei!
“Saltei as torrentes.
Trepei dos rochedos
Aos cimos ardentes,
Nos ínvios caminhos,
Cobertos de espinhos,
Meus passos mesquinhos
Com sangue marquei!

“Avante! corramos!
Corramos ainda!...
Da selva nos ramos
A sombra é infinda.
A mata possante
Ao filho arquejante
Não nega um abrigo...
Corramos ainda!
Corramos! avante!
“Debalde! A floresta
— Madrasta impiedosa —
A pobre chorosa
Não quis abrigar!
“Pois bem! Ao deserto!

“De novo, é loucura!
Seguindo meus traços
Escuto seus passos
Mais perto! mais perto!
Já queima-me os ombros
Seu hálito ardente.
Já vejo-lhe a sombra
Na úmida alfombra...
Qual negra serpente,
Que vai de repente
Na presa saltar!...

Na douda
Corrida,
Vencida,
Perdida,
Quem me há de salvar? ”

( Castro Alves - 'Biografia' - 1847/1871 )

06/Setembro/2006:

“ A DOR ”
- Broquéis - 1893 -

“ Torva Babel das lágrimas, dos gritos,
Dos soluços, dos ais, dos longos brados,
A Dor galgou os mundos ignorados,
Os mais remotos, vagos infinitos.

Lembrando as religiões, lembrando os ritos,
Avassalara os povos condenados,
Pela treva, no horror, desesperados,
Na convulsão de Tântalos aflitos.

Por buzinas e trompas assoprando
As gerações vão todas proclamando
A grande Dor aos frígidos espaços...

E assim parecem, pelos tempos mudos,
Raças de Prometeus titânios, rudos,
Brutos e colossais, torcendo os braços! ”

( Cruz e Sousa - 'Biografia' - 1862/1898 )

07/Setembro/2006:

“HOJE É DIA 7 DE SETEMBRO ”
- 2006 -

“ Hoje é dia 7 de setembro
hoje é dia de uma utopia
hoje é dia de um sonho
hoje é dia de um país

mas o que é um país:
um país sou eu
um país é você
um país somos nós
um país é a educação
um país é a justiça
um país são os livros
um país são os escritores
um país são os professores
um país são os médicos
dentistas
garis
estudantes
e todas as profissões

um país é ócio
é lazer
é praça
é bosque
é parque

um país é família
é uma criança
é um idoso
é um adulto

um país é mata
é rio
fauna
flora

um país não é um pib
não é uma balança comercial

um país é distribuição de renda

um país não é exportação
um país é comer e beber do melhor que o país produz

um país é ter acesso

um país é a dignidade
é a solidariedade
é a consciência
é a responsabilidade
é a civilidade
é a honestidade
é o trabalho

um país não é um governo
um poder
ou outro poder
- um país é viver o país -

um país é comprometimento
é a terra
é a nação

um país não é constituição
um país é cidadania

um país não é o futuro
um país é o passado
um país é o presente

um país não é gasto público
é investimento público

um país é preocupação com o próximo
não é crime
não é ignorância
não é medo
não é barbárie

um país não é lucro
um país é vida com qualidade

um país é querer bem
é viver bem

hoje é dia 7 de setembro
hoje é dia de uma utopia
hoje é dia de um sonho
hoje é dia de um país

um país é a paz.”

( Alessandro Eloy Braga - 'Biografia' - 1973/**** )

11/Setembro/2006:

“ AMIZADE SINCERA ”
- 2006 -

“ Amizade quando é sincera,
Doa mais do que se espera
Faz do amigo, porto seguro
Ilumina todo o escuro
Se o amigo vai embora
O Coração chora
Se fica junto
Isso transforma o mundo
E, se surge a incerteza
Tem que se por cartas na mesa
Para saber o que é certo
O que se deve ter por perto... ”

( Lou de Olivier - 'Biografia' - 1961/**** )

12/Setembro/2006:

“ ESTRADA A FORA ”
- xx -

“ Ela passou por mim toda de preto,
Pela mão conduzindo uma criança...
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.

Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher não cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.

Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mãos dadas,
E o berço, às vezes, leva à sepultura...

No coração, - um horto de martírios! -
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lírios.

...são assim as páginas da vida;
Mil amarguras perto de cem flores,
Ao pé do riso, - a lágrima dorida.
H. Castriciano - Ruínas”

( Auta de Souza - 'Biografia' - 1876/1901 )

13/Setembro/2006:

“ O PARAÍSO DE DANTE ”
- Canto I - Ascenção para o Céu - Transumanização - A ordem do Universo -

“ A glória Daquele que tudo move penetra por todo o Universo, que a reflete mais em algumas partes, e menos em outras. Eu estive no Céu onde a Sua luz é mais intensa, e vi coisas que homem algum, de lá retornado, seria capaz de relatar. Pois quando nossa mente se perde nas profundezas do nosso desejo, a memória não tem poder para segui-la. Mas, tudo que, do Reino Santo, consegui guardar na minha mente, será agora matéria do meu canto.

Ó bondoso Apolo, para esta tarefa derradeira, fazei de mim um vaso digno de receber vossa inspiração. Até agora, tenho dirigido minhas preces a somente um dos picos do Parnaso, mas agora eu preciso de ambos. Entrai em meu peito, divina Virtude, e me emprestai um sopro do vosso poder para que pelo menos as sombras do Reino Sagrado, gravadas em minha mente, eu possa manifestar. De uma pequena faísca pode surgir uma grande chama: talvez alguém, depois de mim, com melhor voz, poderá, enfim, receber vossa resposta.

A luz do mundo surge aos mortais das mais variadas fontes, mas do ponto onde unem-se quatro círculos e três cruzes, nasce o Sol no seu melhor curso, na sua melhor constelação, iluminando a cera do mundo com sua melhor influência. Quando cheguei àquela foz o dia amanhecia e aqui, de onde escrevo, era tarde. Agora, o Sol brilhava com sua melhor luz naquele hemisfério, enquanto neste já era noite.

Com o olhar fixo, Beatriz encarava o Sol sem piscar, como águia alguma jamais teria feito. Como um raio, seu olhar se infundiu em minha mente que se deixou inundar com o reflexo da sua luz e fez com que eu também fitasse o Sol por mais tempo que eu seria capaz. Naquele lugar sagrado, muito mais coisas são permitidas aos sentidos humanos que aqui na Terra. Não pude olhar muito, mas o suficiente para ver a esfera do Sol contornada por faíscas, como fogo escapando de ferro derretido. Subitamente, pareceu-me que um dia iluminava o dia seguinte, como se Deus tivesse decorado o céu com outro Sol.

Livre da luz que preenchia as alturas, virei o olhar para Beatriz, que permanecia fitando o Sol. E então senti uma coisa que eu seria incapaz de descrever. Algo similar, talvez, à transformação sofrida por Glauco, ao provar a erva que o transformou em um deus. “Transumanizar”, é a melhor palavra que posso oferecer, para algo que não se pode explicar com palavras. Se era apenas a minha alma, separada do corpo, que subia, só aquele Amor que governa o Céu poderia dizer.

Enquanto ouvia as afinadas harmonias, emanadas das esferas celestes que giravam sem parar, vi toda a extensão do Céu acender-se com as chamas do Sol. Impressionado com tal visão, fiquei ansioso por conhecer a causa. Ela, sempre atenta, me respondeu antes que eu pensasse na pergunta:

— Estás tão distraído com tua falsa imaginação que não percebestes que não estás mais com os pés sobre a Terra. Podes não ter percebido, mas, um raio nunca desceu à Terra tão rápido quanto tu, agora, sobes à tua casa.

Sua explicação saciou minha curiosidade, mas não deixou de fazer brotar na minha mente novas dúvidas. Eu disse:

— Estou contente por compreender esse fenômeno que me causa grande admiração, mas, ainda me admira que eu possa ascender através desses corpos mais leves.

Ela suspirou. Depois sorriu e me olhou como uma mãe que observa seu filho num momento de devaneio, e explicou:

— Todas as coisas estão submetidas a uma ordem, visível através de sua forma. Esta ordem revela a semelhança entre o Universo e Deus. Assim, as criaturas mais elevadas refletem as formas dos valores eternos, que é o fim para o qual foram criadas. E, nessa ordem, todas as coisas, no final, voltam sempre às suas origens. É isto que faz o fogo ascender à Lua. É o que move os corações humanos. É o que une as partes e faz a Terra ser uma só. Isto explica porque estamos retornando à mais alta esfera, que é a nossa casa. É verdade que, às vezes, a forma não se molda a real intenção da arte, quando ao ser chamada, a matéria é surda. Por isto, a criatura de Deus, embora destinada a voltar para sua origem, por ter o poder, pode escolher outro destino. Assim como o fogo pode ser visto caindo da nuvem, também o impulso soberano do homem pode voltar à Terra por falso prazer. Não deves te admirar, portanto, de estares subindo, mais que te admirarias ao ver a água fluir, do alto da montanha até a planície. Estranho seria se tu, livre, tivesses permanecido lá embaixo. Seria tão inacreditável quanto ver uma chama, na Terra, permanecer imóvel. (...) ”

( Dante Alighieri - 'Biografia' - 1265/1321 )

14/Setembro/2006:

“ MÃE NATUREZA”
- 2006 -

“ Ó mãe natureza:
Ouve o grito da floresta.
Que aberração é está ?
Árvores centenárias se contorcendo.
Lambidas pelo fogo.
Fogo ! Fumaça ! Dor !
Onde está o amor ?

O grito lanceia a alma
De quem se importa com a vida
Das plantas e dos animais.
Que, indefesos, são engolidos
Pelas labaredas vorazes.
Elas avançam, audazes,
No seu caminho de destruição.
Ninguém as detém, não !

Ouve, também, ó mãe natureza,
O ronco da motosserra
Degolando as tuas filhas,
Que caem indefesas,
Derramando por sobre a terra
A seiva que as nutria.

Chora, mãe natureza,
Chora muito, inunda a terra,
Que a vida voltará.
O verde virá mais verde,
As flores mais coloridas,
Mais belos os animais,
Vida nova, nova vida.
Milhares de filhos teus
Sob a égide de Deus !”

Maria Madalena Naufal: nasceu em 13 de Fevereiro de 1941, em Getulina-SP, filha de Pedro Elias Naufal e Nali Farah Naufal e vive, atualmente, em Osvaldo Cruz-SP. É formada em História e especialista em Teoria da História, sendo articulista de vários jornais e revistas e autora da obra "Poesias e Cantos de Amor Sublime". Atua como escritora, poetisa, teatróloga e compositora, além de incansável divulgadora da doutrina espírita. .

( Maria Madalena Naufal - 'Biografia' - 1941/**** )

15/Setembro/2006:

“ AMAR DENTRO DO PEITO UMA DONZELA ”
- xxx -

“Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela:

Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo. ”

( Bocage - 'Biografia' - 1765/1805 )

18/Setembro/2006:

“ BUDISMO MODERNO ”
- EU - 1912 -

“ Tome, Doutor, esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo! ”

( Augusto dos Anjos - 'Biografia' - 1884/1914 )

19/Setembro/2006:

“ CHARNECA EM FLOR ”
- Charneca em Flor - 1930 -

“ Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E, já não sou, Amor, Sóror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor! ”

( Florbela Espanca - 'Biografia' - 1894/1930 )

20/Setembro/2006:

“ CANÇÃO DO TAMOIO ”
- Natalícia -

I

Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.

II

Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.

III

O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!

IV

Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!

V

E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.

VI

Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.

VII

E a mão nessas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!

VIII

Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.

IX

E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.

X

As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar. ”

( Gonçalves Dias - 'Biografia' - 1823/1864 )

21/Setembro/2006:

“ ABAT-JOUR ”
- xx -

“ A lâmpada acesa
(Outrem a acendeu)
Baixa uma beleza
Sobre o chão que é meu.
No quarto deserto
Salvo o meu sonhar,
Faz no chão incerto
Um círculo a ondear.

E entre a sombra e a luz
Que oscila no chão
Meu sonho conduz
Minha inatenção.

Bem sei ... Era dia
E longe de aqui...
Quanto me sorria
O que nunca vi!

E no quarto silente
Com a luz a ondear
Deixei vagamente
Até de sonhar... ”

( Fernando Pessoa - 'Biografia' - 1888/1935 )

22/Setembro/2006:

“ CAFÉ-EXPRESSO ”
- Martim Cererê - 1987 -

“ 1

Café-expresso — está escrito na porta.
Entro com muita pressa. Meio tonto,
por haver acordado tão cedo...
E pronto! parece um brinquedo...
cai o café na xícara pra gente
maquinalmente.

E eu sinto o gosto, o aroma, o sangue quente de São Paulo
nesta pequena noite líquida e cheirosa
que é a minha xícara de café.
A minha xícara de café
é o resumo de todas as coisas que vi na fazenda e me vêm à memória
[apagada...

Na minha memória anda um carro de bois a bater as porteiras da
[estrada...
Na minha memória pousou um pinhé a gritar: crapinhé!
E passam uns homens
que levam às costas
jacás multicores
com grãos de café.

E piscam lá dentro, no fundo do meu coração,
uns olhos negros de cabocla a olhar pra mim
com seu vestido de alecrim e pés no chão.

E uma casinha cor de luar na tarde roxo-rosa...
Um cuitelinho verde sussurrando enfiando o bico na catléia cor de
[sol que floriu no portão...
E o fazendeiro, calculando a safra do espigão...

Mas acima de tudo
aqueles olhos de veludo da cabocla maliciosa a olhar pra mim
como dois grandes pingos de café
que me caíram dentro da alma
e me deixaram pensativo assim...

2

Mas eu não tenho tempo pra pensar nessas coisas!
Estou com pressa. Muita pressa.
A manhã já desceu do trigésimo andar
daquele arranha-céu colorido onde mora.
Ouço a vida gritando lá fora!
Duzentos réis, e saio. A rua é um vozerio.
Sobe-e-desce de gente que vai pras fábricas.

Pralapracá de automóveis. Buzinas. Letreiros.
Compro um jornal. O Estado! O Diário Nacional!
Levanto a gola do sobretudo, por causa do frio.
E lá me vou pro trabalho, pensando...

Ó meu São Paulo!
Ó minha uiara de cabelo vermelho!
Ó cidade dos homens que acordam mais cedo no mundo! ”

( Cassiano Ricardo - 'Biografia' - 1895/1974 )

25/Setembro/2006:

“ ROMARIA”
- Antologia Poética- 1982 -

“ Os romeiros sobem a ladeira
cheia de espinhos, cheia de pedras,
sobem a ladeira que leva a Deus
e vão deixando culpas no caminho.

Os sinos tocam, chamam os romeiros:
Vinde lavar os vossos pecados.
Já estamos puros, sino, obrigados,
mas trazemos flores, prendas e rezas.

No alto do morro chega a procissão.
Um leproso de opa empunha o estandarte.
As coxas das romeiras brincam no vento.
Os homens cantam, cantam sem parar.

Jesus no lenho expira magoado.
Faz tanto calor, há tanta algazarra.
Nos olhos do santo há sangue que escorre.
Ninguém não percebe, o dia é de festa.

No adro da igreja há pinga, café,
imagens, fenômenos, baralhos, cigarros
e um sol imenso que lambuza de ouro
o pó das feridas e o pó das muletas.

Meu Bom Jesus que tudo podeis,
humildemente te peço uma graça.
Sarai-me, Senhor, e não desta lepra,
do amor que eu tenho e que ninguém me tem.

Senhor, meu amo, dai-me dinheiro,
muito dinheiro para eu comprar
aquilo que é caro mas é gostoso
e na minha terra ninguém não possui.

Jesus meu Deus pregado na cruz,
me dá coragem pra eu matar
um que me amola de dia e de noite
e diz gracinhas à minha mulher.

Jesus Jesus piedade de mim.
Ladrão eu sou mas não sou ruim não.
Por que me perseguem não posso dizer.
Não quero ser preso, Jesus é meu santo.

Os romeiros pedem com os olhos,
pedem com a boca, pedem com as mãos.
Jesus já cansado de tanto pedido
dorme sonhando com outra humanidade. ”

( Carlos Drummond de Andrade - 'Biografia' - 1902/1987 )

26/Setembro/2006:

“ QUANDO ”
- xxx -

“ Quando repousarás em mim como a poesia
nos grandes poetas
Como a pureza na alma dos santos
Como os pássaros nas torres das igrejas?

Quando repousará o teu amor no meu amor?
Quando penetrará tua luz nos meus olhos
vazios,
Como o sol nos pântanos
Como o sorriso nos tristes

Como o Cristo no mundo em pecado? ”

( Augusto Frederico Schmidt - 'Biografia' - 1906/1965 )

27/Setembro/2006:

“ AO MEU BOM ANJO ”
- xxx -

“ Dizem que a vida não é mais que um sonho,
Meu Deus, quero sonhar!
Empresta-me, anjo bom, as tuas asas,
Guarda no seio a minha fronte em brasas,
Ensina-me a rezar!

Vamos, vamos, além... foge comigo!
Procuremos bem longe um doce abrigo,
Na pátria dos arcanjos...
A vida é sonho e como um sonho passa...
Pois bem! vamos viver no Céu da graça,
Meu Deus, como dois anjos!

Quero fugir do mundo tenebroso,
Labirinto de dores...
Mensageiro divino, vem comigo,
Quero sonhar, viver, sorrir contigo,
No Éden há só flores!

Minh’alma, casta rola abandonada,
Desfalece sozinha pela estrada,
Não pode mais voar...
Empresta-lhe, anjo bom, as tuas asas:
Sinto estalar-me o coração em brasas,
Cansado de chorar.

Assim voando pelo espaço em fora
E vendo-te a meu lado a toda hora,
Quero - fugindo d’este mundo agreste,
Unida ao seio teu,
Embalada por ti, anjo celeste! -
Buscar meu ninho pelo azul do Céu! ”

( Auta de Souza - 'Biografia' - 1876/1901 )

28/Setembro/2006:

“ A RUA DOS CATAVENTOS ”
- Soneto VI - XI - Para Antônio Nobre, à maneira do mesmo -

“ Contigo fiz, ainda menininho,
Todo o meu Curso d'Alma... e desde cedo
Aprendi a sofrer devagarinho,
A guardar meu amor como um segredo...

Nas minhas chagas vinhas pôr o dedo
E eu era o Triste, o Doido, o Pobrezinho!
Amava, à noite, as Luas de bruxedo,
Chamava o Pôr do Sol de Meu Padrinho...

Anto querido, esse teu livro "Só"
Encheu de luar a minha infância triste!
E ninguém mais há de ficar tão só:

Sofreste a nossa dor, como Jesus...
E nesta Costa d'África surgiste
Para ajudar-nos a levar a Cruz!...”

( Mario Quintana - 'Biografia' - 1906/1994 )

29/Setembro/2006:

“ A PESQUISA ”
- SET/2006 -

“ Me acordaram e me perguntaram sobre política. Eu não sabia.
Me perguntaram o que faz um vereador. Eu não sabia.
Me perguntaram o que faz um deputado estadual. Eu não sabia.
Me perguntaram o que faz um deputado federal. Eu não sabia.
Me perguntaram o que faz um senador. Eu não sabia.

Me perguntaram em quem votei nas últimas eleições. Eu não sabia.
Me perguntaram quais são os partidos. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre os programas do PT e do PSDB. Eu não sabia.

Me perguntaram o que faz o legislativo. Eu não sabia.
Me perguntaram o que faz o executivo. Eu não sabia.
Me perguntaram o que faz o judiciário. Eu não sabia.

Me perguntaram em quem eu ia votar. Eu não sabia.
Me perguntaram o que é uma república. Eu não sabia.
Me perguntaram o que é democracia. Eu não sabia.
Me perguntaram o que é socialismo. Eu não sabia.
Me perguntaram o que é capitalismo. Eu não sabia.

Me perguntaram como fazer para criar uma lei. Eu não sabia.
Me perguntaram o telefone da câmara. Eu não sabia.
Me perguntaram o que fez o político que eu elegi. Eu não sabia.
Me perguntaram quais eram as propostas dos candidatos. Eu não sabia.

Me perguntaram quais são meus direitos. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre o orçamento da união. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre os impostos. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre a história do Brasil. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre globalização. Eu não sabia.

Me perguntaram sobre a associação do bairro. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre a reunião em meu condomínio. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre meus direitos. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre a constituição. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre cidadania. Eu não sabia.

Me perguntaram o que é mensalão. Eu não sabia.
Me perguntaram o que são sanguessugas. Eu não sabia.
Me perguntaram o nome dos ministros. Eu não sabia.

Me perguntaram que colunista político eu leio. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre o horário político. Eu não sabia.
Me perguntaram em quem meus pais votaram. Eu não sabia.
Me perguntaram como são feitas as pesquisas. Eu não sabia.

Me perguntaram sobre ética. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre a educação de meus filhos. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre as responsabilidades da mídia. Eu não sabia.
Me perguntaram quem são os donos das TVs e jornais. Eu não sabia.

Me perguntaram quem dá dinheiro pros partidos. Eu não sabia.
Me perguntaram como os bancos ganham tanto. Eu não sabia.
Me perguntaram como defendo meus direitos. Eu não sabia.
Me perguntaram o que são “recursos não contabilizados”. Eu não sabia.
Me perguntaram quanto pago de imposto. Eu não sabia.
Me perguntaram pra onde vai o dinheiro do imposto. Eu não sabia.

Me perguntaram se tenho orgulho de ser brasileiro. Eu não sabia.
Me perguntaram o nome do professor de meu filho. Eu não sabia.
Me perguntaram sobre a reunião de pais e mestres. Eu não sabia.
Me perguntaram o que vai acontecer com o Brasil. Eu não sabia.
Me perguntaram o que eu faço pelo Brasil. Eu não sabia.

Me perguntaram se me interesso por política. Isso eu sabia: não.
E então me perguntaram por que acho absurdo quando o Lula diz que não sabia.

- Ah, sei lá!
Virei pro lado e voltei a dormir... ”

( Luciano Pires - 'Biografia' - 1956/**** )

 

 

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